Quando um profissional habilitado desenvolve um senso visceral de que seu paciente realmente vai cometer suicídio, essa intuição clínica conta e deve ser considerada na intervenção.
Elementos-chave na avaliação do Comportamento Suicida:
Precisamos identificar e avaliar a presença do que chamamos de ideação suicida, plano suicida e tentativas prévias. Comecemos com algumas definições:
Ideação Suicida
É preciso determinar se a pessoa tem algum pensamento de tirar a própria vida. Consideramos ideação suicida pensamentos, sonhos, preocupações, imagens mentais e até mesmo alucinações relacionadas ao suicídio. A ideação está altamente ligada ao suicídio consumado. Alguns médicos inexperientes têm dificuldade em fazer essa pergunta. Eles temem que a investigação possa ser invasiva demais ou que possam estimular a pessoa a ter uma ideia de suicídio. Na realidade, os pacientes geralmente consideram o questionamento uma evidência da preocupação do profissional. Uma resposta positiva requer mais investigação.
Planos de Suicídio
Se a ideação suicida estiver presente, a próxima pergunta deve ser sobre uma eventual existência de planejamento de atos suicidas. Em geral, quanto mais houver um plano mais específico (que indique a método pra tirar a própria vida, o passo apasso, as precauções para não ser descoberto) maior o perigo. Embora ameaças vagas, como a ameaça de cometer suicídio em algum momento no futuro, sejam motivos de preocupação, respostas indicando que a pessoa comprou uma arma, tem munição, fez um testamento e planeja usar a arma são mais perigosas. O plano exige mais perguntas. Se a pessoa visualiza uma morte relacionada a arma, é preciso determinar se ela possui a arma ou se tem acesso a ela.
A Relação entre Ideação suicida, Planos e Tentativas
Mesmo quando a pessoa nega qualquer ideação ou planejamento atual, é importante questionar sobre tentativas e ideação suicidas no passado, isto é, ao longo da vida do paciente. Um histórico de comportamento suicida no passado pode nos informar sobre o modo como o indivíduo pode vir a responder em situações-limite. Tentativas prévias são consideradas um fator de risco muito importante. Além disso avaliamos o grau de intencionalidade em toda tentativa de suicídio. A variável intencionalidade suicida revela o quanto o indivíduo acreditava realmente que ia morrer naquela tentativa ou o quanto considerava possível outros desfechos (comunicar algo, agir impulsivamente, fugir de uma situação específica).
Um inquérito populacional realizado na cidade de Campinas (Botega, 2005) demostra que o que aparece para os médicos em relação ao comportamento suicida das pessoas é apenas a ponta de um iceberg:
1-para cada pessoa que chega ao pronto socorro devido a uma tentativa de suicídio, outras três tentaram suicídio e não chegaram a ser atendidas.
2-Para cada pessoa que é atendida em pronto socorro devido a uma tentativa de suicídio, existem outras cinco planejando fazer o mesmo.
3-Para cada 100 habitantes, existem 17 que tem pensamentos de suicídio que podem evoluir em intensidade e intencionalidade.
A conclusão é de que a maioria das pessoas com algum componente do comportamento suicida passa inteiramente despercebida.
Propósito ou Motivo Para o Suicídio
É importante também determinar o que o paciente acredita que seu suicídio alcançaria. Qual seria a função ou finalidade do suicídio para esta pessoa, especificamente? Além de avaliarmos o quão seriamente a pessoa tem considerado tirar a a própria vida, é preciso saber a motivação. Por exemplo, alguns acreditam que o suicídio proporcionaria um meio para a família ou amigos perceberem seu sofrimento emocional. Outros vêem sua morte como alívio de sua própria dor psíquica. Outros ainda acreditam que a morte deles proporcionaria uma reunião celestial com um ente querido falecido. Qualquer que seja o cenário imaginado, o profissional passa a ter outro indicador da seriedade do planejamento e poderá usar essa informação no momento da intervenção (fase de tratamento). Ao identificar a função de um comportamento, podemos auxiliar o paciente a formular maneiras alternativas para resolver problemas.
Potencial para Homicídio
Qualquer questão de suicídio também deve ser associada a uma investigação sobre o potencial desse indivíduo de cometer um homicídio antes de se matar. Levando-se em conta que suicídios representam uma forma de agressão dirigida a si-mesmo, que homicídios representam uma agressão voltada para fora e que, portanto, a agressividade está presente nessas dois contextos, a pergunta sobre tendências homicidas deve sempre ser feita.
Um estudo que analisou 60 suicídios associados a homicídio no Reino Unido constatou que a maioria das vítimas era cônjuge/parceiros e ou crianças. A maioria dos perpetradores era do sexo masculino (88%) e a maioria das vítimas era do sexo feminino (77%). Poucos perpetradores estiveram em contato recente com serviços de saúde mental antes do incidente (12%)
Perguntas Adicionais
Outras perguntas devem ser feitas com base na revisão dos fatores de risco. Questionar, por exemplo, se outros membros da família ou amigos se mataram, além de perguntar sobre sintomas de depressão, psicose, delírio e demência, perdas (especialmente recentes) e abuso de substâncias.
Sinais e Fatores de risco
Para facilitar, resumimos aqui 12 Sinais de Alerta Para um Potencial Real de Suicídio:
Pessoas com planos definidos para se matar - sabemos que Indivíduos que pensam ou falam sobre suicídio já estão em risco; no entanto, o risco é muito maior para quem já tem um plano (por exemplo, de obter uma arma e comprar balas) e já fez uma declaração clara sobre se matar.
Determinados padrões sistemáticos de comportamento, como se envolver em atividades que indicam que estão deixando a vida - Isso inclui dizer adeus a amigos, fazer um testamento, escrever uma nota de suicídio e fazer um plano de funeral, querer resolver conflitos e desavenças, não deixar pendências
Pessoas com uma forte história familiar de suicídio - A história familiar de suicídio é especialmente indicativa de risco de suicídio, particularmente perto do aniversário de morte do ente querido ou quando quando a pessoa atinge a idade em que o ente se suicidou.
A presença de uma arma, especialmente arma de fogo.
Estar sob a influência de álcool ou outras drogas que alteram o estado mental - O abuso de drogas é especialmente significativo se as drogas forem depressoras do Sistema Nervoso Central.
Diante de uma perda grave, imediata e inesperada - Por exemplo, quando uma pessoa é demitida de repente ou deixada por um cônjuge
Diante de situações de isolamento e solidão.
Se a pessoa tem uma depressão de qualquer tipo.
Se o paciente experimenta alucinações de comando - Ouvir vozes ordenando o suicídio é considerado um sinal de ideação suicida grave, que pode levar à morte se não adequadaemnte abordado e tratado.
Logo após a alta de uma internação psiquiátrica - Os pacientes correm risco de suicídio após a alta de um hospital psiquiátrico. Este é um momento muito difícil, um momento de transição e estresse. A estrutura, o apoio e a segurança da instituição não estarão mais disponíveis para o paciente e para a família. A apreensão de confrontar-se com a realidade e com mudanças na rotina protegida se traduz em medo, vulnerabilidade e constituem um momento de muita atnção e cuidado.
Ansiedade - A ansiedade em todas as suas formas leva ao risco de suicídio; o constante sentimento de pavor e tensão se mostra insuportável para alguns.
Sentimentos do terapeuta - Como mencionado anteriormente, independentemente do que o paciente diga ou faça, é muito relevante quando psiquiatra ou psicólogo tem a sensação de que o paciente irá cometer suicídio; tais percepções fazem parte do julgamento clínico, são uma parte importante da avaliação e intervenção do suicídio e devem sempre serem levadas em conta.
Sinais e Fatores de Proteção
Vários fatores podem servir para proteger contra o suicídio. Esses fatores devem ser identificadoss e cultivados!
Envolvimento em redes sociais de amigos, familiares e colegas de trabalho - as redes de apoio dão sentido à vida e fornecem ao indivíduo um grupo de pessoas que podem detectar e combater comportamentos de isolamento e de retraimento.
Ter um grande objetivo de longo prazo - um objetivo de longo prazo permite ver pequenos obstáculos e perdas em uma perspectiva diferente.
Ter um animal de estimação, como um cão ou gato - animais de estimação precisam de uma presença humana para cuidar deles, o que oferece ao indivíduo uma razão para viver. Eles também fornecem amor incondicional e aceitação.
Ter um terapeuta com o qual se sente conectado - isso proporciona uma pessoa que o indivíduo pode chamar quando está em perigo. A chave do tratamento é falar e compartilhar sentimentos e pensamentos, não agir de acordo com eles.
Aguardar evento futuro do qual queira participar: a formatura de uma criança, um casamento, as férias, etc.
Ter uma forte fé religiosa que não sancione o suicídio e afirme a vida.
Ter alguém em sua vida que depende de você.
Estar em um relacionamento amoroso ou de parceria.
Abster-se de manter armas de fogo na casa, e certificar-se de que não há munição disponível.
Certificar-se de que o indivíduo nunca está sozinho - vivendo com alguém (um cônjuge, um amigo, um colega de quarto, etc.)
Acesso a linhas diretas de suicídio e crise-CVV.
Buscar tratamento eficaz do transtorno psiquiátrico subjacente.
Reconhecer que o suicídio representaria uma solução permanente para uma condição ou situação temporária.
Ter alguém com quem conversar e que faça se entir acolhido e pertencendo - ter alguém que possa dizer "eu te ouço”.
Ter e buscar significado em sua vida - o método de Viktor Fankl de identificar um propósito na vida para sentir-se positivamente e depois imaginar-se envolvido com esse resultado.
Em nosso próximo post, vamos falar de estratégias de intervenção diante de situações de risco de suicídio!