Por que para a maioria das pessoas é tão difícil mudar o comportamento e adotar hábitos mais saudáveis? Somente 20% conseguem levar adiante alguma promessa de Ano Novo. Os 80% restantes continuam patinando na dieta, nas tentativas de largar o cigarro, ou nas promessas de tomar os remédios da forma que o médico prescreveu. As pesquisas realizadas pelas ciências do comportamento nos últimos 30 anos (Norcross, 2012) podem ajudar a responder essas perguntas e a auxiliar quem está planejando mudar. Por exemplo, a partir do momento que alguém começou a implementar mudanças de comportamento, leva pelo menos 90 dias para que esse comportamento se consolide e se transforme em um novo hábito, ou seja, a partir dos primeiros passos precisamos de pelo menos três meses para alguém ter mais confiança de que chegou a sua meta. Se você pensa em alguma mudança, mas não se sente confiante em começar nos próximos 90 dias você provavelmente ainda se encontra nos estágios de pré-contemplação ou contemplação e precisa de algumas estratégias para conseguir avançar. Se você já começou, é importante saber que vai levar um tempo antes de se colocar em situações de risco ou de se testar. Os pesquisadores Prochaska e Di Clemente desenvolveram uma descrição dos Estágios de Mudança: A) Pré-Contemplação Nesta fase, o indivíduo tende a apresentar uma grande resistência em entender, reconhecer ou modificar um determinado problema ou dificuldade. Não há pretensão de mudar em um futuro próximo, já que, em muitos casos, sequer há o reconhecimento de um problema. Muitas vezes as pessoas nessa fase acham que o problema está no outro, minimizam os riscos, ou preferem simplesmente não pensar. Como podemos ajudar alguém que esteja nessa fase? Uma estratégia inicial é extrair da própria pessoas seus valores e metas de vida! Falar de prejuízos para a saúde ou dar informações que parecem distantes e abstratas podem, isoladamente, não ajudar muito. Ajudamos a pessoa a perceber o "lado não tão bom" de continuar com um determinado comportamento sob a ótica de seus próprios valores e metas. Para um fumante com enfisema, por exemplo, pode motivar muito mais estar presente no batizado da neta do que a informação de que seu efisema pode piorar ou que pode vir a ter câncer. Para essa pessoa, podemos perguntar: ”Você consegue se visualizar no casamento de sua neta? Como seria?” Me descreva como seria”, "O que você acha que poderia atrapalhar conseguir chegar lá?” Fazer a pessoa se imaginar, descrevendo a cena em um filme ajuda muito. As imagens tem um poder de despertar emoções e as emoções tem um poder maior de mobilizar e motivar! A emoção dessas experiências motiva mais do que razões vindas de fora!!! Embora adoecer de enfisema seja consequência do tabagismo, a associação entre fumar e não estar presente no casamento ou formatura da neta pode ser muito mais impactantte e fazer muito mais sentido. Quando simplesmente dizemos a outra pessoa o que ela deve fazer (pare de fumar! faça exercício físico!), estamos agindo por nosso reflexo de consertar: uma pessoa tem um problema e já apresentamos uma solução! O problema é que isso aumenta a ambivalência. Uma parte do indivíduo quer mudar, outra parte quer ficar como está. Se apelamos para o nosso reflexo de consertar, a pessoa sente que sua liberdade está sendo tolhida, a parte que não quer mudar toma a frente e aumenta a resistência. Ela passa a pensar só nas dificuldades de parar de fumar e nas vantagens de continuar fumando. Como evitamos o reflexo de consertar? Na fase de pré-contemplação ajudamos a pessoa a descrever seus próprios valores e sutilmente a perceber o quanto alguns de seus comportamentos podem atrapalhar. Pouco adianta dizer o que ela já ouviu tantas vezes, que precisa mudar, etc. A melhor estratégia é ela mesma pensar no que ela valoriza na vida e como pode estar se distanciando cada mais (discrepância entre valores e comportamento) Perguntas: O que mais importa na vida pra você? O que mais você valoriza? Como você visualiza sua vida se conseguir obter ou manter as coisas mais importam para você? O que poderia atrapalhar você chegar lá? Tem alguma parte não tão boa de seu comportamento que pode te atrapalhar? Você consegue imaginar como sua vida poderia ser diferente? Consegue descrever em detalhes? E se tudo continuasse como está? O que você a acha que aconteceria? Consegue fechar os olhos e descrever como se estivesse vendo um filme? Técnicas de imaginação são muito poderosas: imaginar passo a passo o que quer conseguir, como gostaria que a vida fosse diferente, experimentar a emoção de conseguir e de não conseguir e o que poderia atrapalhar. Podemos chamar tudo o que descrevemos como técnicas de conscientização ou auto-sensibilização. O importante é que a pessoa sinta que a decisão está partindo dela, que é ela que está escolhendo, sem coerção (princípio da autonomia). B) Contemplação Nesta fase, as pessoas conseguem identificar o problema ou dificuldade e desejam encontrar um modo de enfrentar os problemas, mas não se sentem preparadas para adotar os comportamentos necessários. Dizem que já tentaram , mas que não deu certo! Dizem que não tem a força de vontade necessária! Embora seja muito importante força de vontade não é tudo! São necessários planejamentos, estratégia, monitoramento e ajuda! Comece com duas metas apenas. Quer mudar 5 aspectos diferentes de sua vida de uma vez só? Isso aumenta a chance de não dar certo e pode levar a frustração. Descreva essas metas de maneira específica e positiva: O que você quer fazer? Quando? Onde e com quem? É mais fácil fazer algo do que deixar de fazer uma coisa. Por isso se a meta é parar de fumar, é preciso pensar nas coisas que você vai precisar fazer para colocar no lugar do cigarro, como vai ser, em que hora do dia, com quem. Comece a fazer coisas que vão concorrer ou atrapalhar o comportamento que você quer diminuir. É muito mais fácil analisar o que deu errado se a meta for específica e concreta (como andar na esteira do prédio por 30 minutos às segundas, quartas e sextas logo depois do trabalho durante 30 dias e depois avaliar o resultado) em vez de estabelecer metas vagas (como simplesmente fazer exercício físico). Comece com metas pequenas e fáceis de atingir, de preferência que deem prazer ou que não sejam muito aversivas. Que tal começar com algo lúdico, que pareça uma brincadeira de criança? Você lembra do que você adorava fazer? O que mais se assemelha e está à disposição hoje? Gosta de ouvir música? Isso pode ajudar nas caminhadas? Gosta de ajudar os outros? Quem também está procurando companhia para caminhar? Que tal acionar a sua rede e contar com varias opções? C) Preparação, Ação e Recaídas Nesta fase, as pessoas tendem a identificar seu problema ou dificuldade e apresentam tentativas para modificar e melhorar seu comportamento. Muitas vezes erram no planejamento e e nas estratégias. Recorrem a um pensamento mágico e se esquecem de que a mudança é um processo e não ocorre de uma vez só. As recaídas vão acontecer e precisam ser encaradas de frente. Você lembra quando estava aprendendo a andar de bicicleta ou de skate? Quanta vezes levou um tombo antes de conseguir se equilibrar ou ficar de pé? O que teria acontecido se exigisse de si mesmo que conseguisse se equlibrar de uma vez só em poucas tentativas? E se tratássemos as crianças que estão aprendendo como costumamos tratar os adultos que tem recaídas? Quem consegue aprender ouvindo ou dizendo pra si mesmo que “não tem força de vontade”, “vive dando desculpas”, não quer de verdade, pois quem quer consegue”, etc. Não parece muito construtivo, não é mesmo? O ambiente também influencia bastante. Pode ser que, pelo menos no começo você precise se afastar de algumas situações ou até de algumas pessoas, pelo menos até que você se sinta mais seguro. Até lá você vai precisar treinar dizer não, dizer não novamente, recusar mais uma vez de forma educada, falar que está focado em algo muito importante em sua vida e que conta com a compreensão dos amigos. Faça isso na frente do espelho, ensaie bastante, aprenda a mudar sutil e educadamente o rumo da conversa. Se ainda não se sente preparado, talvez ainda precise evitar algumas situações. Um pensamento que boicota é que estamos deixando nossos amigos de lado. Nessa hora, lembre-se: você pode precisar de até 90 dias para conseguir se colocar a prova! É o tempo que pode demorar para consolidar um hábito. Se a rede de amigos e relacionamentos não ajudam ou tornam as coisas muito difíceis, pergunte a si mesmo o que vale mais a pensa e pense em outras formas de cultivar relacionamentos. Tente combinar com os amigos situações e contextos que sejam convenientes a todos, pelo menos no começo... E quando acontecer uma recaída? Seria razoável exigir de um time que vença um campeonato sem nenhuma derrota? Com certeza, isso também não vai te ajudar! Se perder uma batalha e tiver uma recaída, de qual time você gostaria de fazer parte: do que considera o campeonato perdido e abandona os treinos? Ou do que acorda cedo no dia seguinte e vai tentar entender o que deu errado e tenta ao menos chegar em uma boa colocação? Vários fatores contribuem para a recaída: Pensamentos permissivos do tipo “Eu mereço””. Sabe aquele jogador que deu tudo de si, mas já começou o campeonato pensando nas comemorações e perde o foco justamente porque conseguiu um bom resultado? É mais ou menos assim que os pensamentos permissivos funcionam: só um pedacinho, eu mereço, nãoo vai fazer diferença, etc. Outro pensamento sabotador é "agora que estou ganhando , já posso me testar”. Parece aquele time que porque está ganhando deixa de treinar ou subestima o adversário. Não saiu nem da primeira rodada do campeonato e já está querendo se colocar a prova, abre mão dos conselhos do técnico, vai dormir tarde. Se esquece de que não basta ter habilidade, tem que ter compromisso, compromisso com a torcida, que nesse caso são os seus valores de vida, que nunca vão te abandonar e vão sempre te mostrar o caminho se você for fiel. E) Manutenção Esta fase caracteriza-se pela persistência da mudança dos comportamentos desejados e pelo empenho em evitar recaídas. Só que agora, depois de vencer o campeonato, o jogador tem mais experiência, aprendeu com os erros, sabe a quem recorrer a quem pedir ajuda, confia no seu time, na sua torcida e no seu técnico! A partir do momento em que o comportamento saudável torna-se um hábito, consideramos que se atingiu a fase de término, ou seja, um padrão estável ou cura. Os lapsos podem ocorrer, mas a pessoa tem compromisso e habilidade de não voltar ao padrão anterior de comportamento. Assim como a metáfora do futebol, o importante é pensar em algo que faça sentido para cada pessoa: pode ser a família, o casamento, a igreja, a criação dos filhos, enfim, tudo o que a pessoa valoriza ou mesmo coisas que a pessoa faz sem esforço algum, sem parar para pensar, de tanto que se importa; são os chamados pontos fortes. Quando identificamos os pontos fortes de uma pessoa, podemos utilizá-los como metáforas para motivar cada nova fase de mudança a ser implementada. |
AutorDr. Fábio Fonseca Arquivos
September 2024
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