A depressão no período perinatal (gestação e puerpério) é uma condição comum, cuja prevalência varia entre 6 e 15% dependendo dos instrumentos utilizadas para fazer o diagnóstico. Em geral uma em cada cinco mulheres nos Estados Unidos passam por um episódio de depressão perinatal ao longo de toda as suas vidas. Isso ocorre geralmente entre os 20 e 40 anos, isto é, no período de vida reprodutiva da mulher.
Enquanto aproximadamente 10% das grávidas e puérperas apresentam sintomas clínicos de depressão, um número ainda maior apresenta sintomas de depressão subclínica, que frequentemente são negligenciados e, portanto, deixam de ser tratados. Na realidade, a maioria das mulheres com depressão perinatal não são tratadas.
Um estudo realizado no estado americano de Michigan demonstrou que mulheres que apresentavam sintomas de depressão em clínicas obstétricas não recebiam tratamento adequado. Isso costuma acontecer por uma série de razões: falta de acesso a meios de tratamento, relutância em aceitar o tratamento devido ao estigma ou medo de que o tratamento medicamentoso traga consequências negativas para o bebê.
Com o crescente desenvolvimento de pesquisas nessa área, passamos a acumular novas informações sobre o uso de antidepressivos na gravidez. Hoje dispomos de medicações bastante seguras, que podem ser usadas durante a gestação, assim como podemos nos beneficiar da eficácia de outras modalidades de tratamento como aconselhamento, grupos de ajuda mútua, psicoterapias, ou mesmo tratamentos complementares ou alternativos como, por exemplo, suplementação alimentar com ômega 3, terapia de apoio e terapia com luz.
O tratamento da depressão na gravidez é importantíssimo pois, caso não tratada, a depressão pode afetar negativamente tanto o curso da gravidez quanto o desenvolvimento do bebê.
Grávidas deprimidas estão em maior risco de se engajar em hábitos prejudiciais para o bebê, como tabagismo e o uso de substâncias ilícitas. Também tem uma incidência mais alta de alimentação inadequada, incluindo problemas como falta de apetite ou comer compulsivamente, o que leva a dificuldade do bebê em ganhar peso e risco de crescimento intra-uterino retardado. Além disso, as grávidas em depressão costumam faltar às consultas do pré-natal e se sentirem mais desprestigiadas durante o acompanhamento.
Essas mulheres relatam mais dor e desconforto durante a gravidez, mais sintomas somáticos, como náuseas, dores de estômago, mais falta de ar, mais sintomas gastrointestinais em geral, quando comparadas com as grávidas não-deprimidas.
Todos esses sintomas podem aumentar os riscos de o bebê ter baixo peso ao nascer, de o parto ser prematuro, assim como aumenta o risco de uma série de complicações obstétricas, como pré-eclâmpsia, necessidade de cesáreas, aumento do tempo de hospitalização. Existe também risco maior de o recém nascido nascer com um índice de Apgar baixo, e maior chance de necessitar de cuidados em UTI neonatal.
A depressão está associada a uma variedade de distúrbios neurobiológicos maternos, que podem, direta ou indiretamente, afetar mecanismos fisiológicos da gravidez e o desenvolvimento fetal.
Algumas pesquisas realizadas no Reino Unido sugerem que a depressão na gravidez pode levar a alterações do fluxo sanguíneo materno no útero , o que levaria a prejuízo no suplemento de oxigênio para o bebê. Depressão ou ansiedade severas durante a gravidez reduzem o fluxo sanguíneo atravez de uma constricção dos vasos sanguíneos e isto tem sido correlacionado com parto prematuro, baixo peso ao nascer e pré-eclâmpsia.
A depressão materna também altera, tanto na gestante quanto no bebê, o funcionamento de um sistema de controle do estresse que é tanto cérebral quanto hormonal e é chamado de eixo hipotálamo-hipófise-adrenal. Esse é um sistema através do qual o organismo responde ao estresse tanto do ambiente, quanto ao interno. O produto final desse sistema é um hormônio chamado de cortisol, que tem efeitos cruciais para sobrevivência durante o estresse agudo, mas que também precisa ser firmemente controlado. Os níveis desse hormônio precisam voltar ao normal depois que nos recuperamos do estresse. Níveis de cortisol cronicamente elevados nas gestantes expõem o feto em desenvolvimento e trazem consequências negativas. O cortisol materno elevado é responsável por parto prematuro e diminuição do crescimento fetal.
Bebês de mães que sofreram de depressão na gravidez tem alterações e também passam a ter respostas alteradas ao estresse e níveis elevados de cortisol. Esse bebês apresentam mais complicações pós-parto: choram mais frequentemente e tem mais dificuldades em serem confortados do que os bebês nascidos de mulheres que não passaram por depressão na gestação. Esses bebês tem mais distúrbios do sono, desde algumas semanas após o parto, mas que podem persistir por meses. Eles também tendem a ser mais agitados, a terem menos expressões faciais positivas.
Algumas pesquisas também demosntram que mães deprimidas tem mais dificuldade de regular o próprio afeto quando interagem com seus bebês, o que as leva a serem menos sensíveis às respostas emocionais de seus recém-nascidos, particularmente nos momentos em que os bebês estão sob estresse.
Em uma meta-análise de 46 estudos observacionais sobre os padrões de de interação entre mães deprimidas e não-deprimidas com seus bebês, a depressão pós-parto esteve associada a uma incidência muito mais elevada de comportamento materno disfuncional, como por exemplo: as mães deprimidas tendem a ser mais intrusivas e mais desconectadas de seus bebês. Comportamentos que variam desde puxar ou empurrar o bebê de maneira àspera, maior expressão de raiva na fala, ou não prestar atenção aos sinais de fome ou desconforto,além de responder menos ao choro do bebê.
Interessante notar que de 10 a 30% dos pais podem também ficar deprimidos ao se defrontar com esse quadro.
Com o passar do tempo, por conta das memórias dessas experiências de estresse durante o seu primeiro ano de vida, esses bebês podem passar a desenvolver um padrão diferenciado de afeto em relação aos seus pais. Se o genitor está disponível emocionalmente de maneira estável e previsível durante o período de estresse, o bebê pode desenvolver um padrão de afeto seguro. Bebês seguros sinalizam seu estresse para seus pais e podem ser confortados. Por outro lado, bebês de afeto inseguro podem tanto não serem tão capazes de sinalizar seu estresse e desconforto, como podem demonstrar uma mistura de afetos intensificados para seus pais, que não conseguem confortá-los. Os pais desses bebês tendem a estar menos disponíveis emocionalmente, ou mesmo se tornarem indiferentes e rejeitarem o bebê com seu afeto imprevisível.
Estudos sugerem que pais deprimidos tem maior probabilidade de terem bebês com um afeto inseguro/instável. Em nove estudos longitudinais, esse padrão de afeto demonstrou ser um risco de pior desenvolvimento emocional durante a infância. Essas crianças tendem a ter mais problemas na escola, mais ansiedade, maior agressividade.
Atualmente temos acumulado evidências de que somente tratar a depressão pós-parto pode não ser suficiente para proteger essas crianças das complicações a longo prazo. Algumas pesquisas sugerem que as terapias que tem como objetivo apenas a melhora dos sintomas de depressão dessas mulheres, não necessariamente melhoram suas habilidades para maternagem e as consequências para essas crianças.
Tratamentos que se fundamentem na relação mãe-bebê, como psicoterapia para a dupla mãe e bebê e orientação de pais precisam ser implementadas como medidas de suporte adicionais. Podem variar em duração e podem ter orientação psicodinâmica ou na teoria do apego. Outras técnicas incluem mindfulness (conscientização momento a momento) e até mesmo o yoga e podem ajudar a restabelecer o equlíbrio emocional entre essas mães e seus bebês. Técnicas de massagem para bebês podem ajudar a restabelecer a conexão com o bebê.
Fonte: Maria Muzik, MD, MSc em Current Psychiatry Online