O desemprego pode alterar os traços mais fundamentais da personalidade, tornando as pessoas menos escrupulosas, menos amáveis e menos abertas para experiências. Esses novos traços de personalidade podem tornar ainda mais difícil a tarefa de encontrar um novo emprego, de acordo com uma pesquisa publicada pela Associação Americana de Psicologia.
Os resultados desafiam a idéia de que nossas personalidades são estáveis e previsíveis. Fatores externos como o desemprego podem ter um grande impacto em aspectos primordiais de nosso jeito de ser. Isto indica que o desemprego tem implicações psicológicas mais amplas do que pensávamos antes.
Em um estudo realizado pelo grupo liderado pelo pesquisador Cristopher J. Boyce, da Universidade de Stirling, no Reino Unido, foram examinados 6769 alemães adultos (3733 homens e 3036 mulheres). Testes padronizados de personalidade foram realizados em dois momentos diferentes em um período de quatro anos, de 2006 a 2009. 210 pessoas ficaram desempregadas em algum momento durante o estudo, por períodos que variavam de 1 a 4 anos. Outro grupo de 251 pessoas ficaram desempregadas por menos de 01 ano e conseguiram se recolocar na vigência do estudo. Os resultados foram publicados no Jornal de Psicologia Aplicada da Associação Americana de Psicologia (http://www.apa.org/pubs/journals/releases/apl-a0038647.pdf).
Os pesquisadores examinaram os assim chamados cinco grandes fatores da personalidade (Big Five): amabibilidade (socialização), neuroticismo (instabilidade emocional), extroversão, realização (conscienciosidade ou escrupulosidade) e abertura à experiência.
Nos homens, houve um aumento da amabilidade nos dois primeiros anos de desemprego, quando comparados a homens que nunca perderam o emprego. Mas depois de dois anos o nível de amabilidade em homens desempregados começou a diminuir e, a longo prazo, era menor do que o encontrado no grupo de homens que permaneceu empregado. Para as mulheres, a amabilidade diminuiu progressivamente a cada ano de desemprego.
Nos anos iniciais de desemprego, pode haver incentivos para que os indivíduos se comportem de maneira sociável em um esforço para conseguir uma recolocação. Nos anos seguintes, quando a situação se torna endêmica, esses incentivos podem desaparecer.
No que diz respeito à conscienciosidade, quanto mais os homens permaneceram desempregados, maior a redução desse traço (que também é chamado de escrupulosidade). Em relação às mulheres, elas se tornaram mais conscienciosas nos períodos iniciais e tardios de desemprego. Os pesquisadores especulam que as mulheres podem ter readquirido alguma conscienciosidade se engajando em atividades tradicionalmente associadas com o gênero feminino, como aquelas relacionadas ao papel de cuidadoras.
Homens desempregados demonstraram níveis menores de abertura no primeiro ano de desemprego, mas esses níveis aumentaram com o passar do tempo. Por outro lado, as mulheres apresentaram uma redução acentuada da abertura nos segundo e terceiro ano de desemprego, mas a readquiriram no quarto ano, de acordo com o estudo.
A pesquisa sugere que os efeitos do desemprego na sociedade ultrapassam a dimensão econômica. Os desempregados podem ser injustamente estigmatizados como resultado de mudanças inevitáveis de personalidade. Isso pode criar um ciclo crescente de dificuldades no mercado de trabalho.
As políticas públicas têm, portanto, um papel fundamental na prevenção de alterações adversas de personalidade. Além da redução dos níveis de desemprego, os governos devem oferecer suporte psicológico aos desempregados. Além de protejer a economia, tais políticas poderiam, dessa maneira, protejer o potencial humano de crescimento pessoal.
(artigo publicado originalmente pela Associação Americana de Psicologia)