Todos os dias somos bombardeados com informações contraditórias sobre a eficácia de um remédio para uma determinada doença. O pior é que se a gente se baseia no que se lê na internet ou se vê na televisão, ficamos ainda mais confusos.
De repente, um médico muito renomado aparece contando que tratou seus pacientes com um remédio X e que foi muito bem sucedido. Algo parecido aconteceu há um tempo com um remédio chamado fosfoetanolamida, que seria a “pílula do câncer”.
Pra quem tiver interesse e um pouco de paciência, vou explicar pra vocês o que TODO profissional de saúde deveria saber, depois de ter tido aula na faculdade de uma disciplina chamada epidemiologia e como esse profissional deveria escolher os tratamentos que oferece.
Para isso, vamos por partes:
1- A medicina, na maioria das vezes, não trabalha com certezas, mas com probabilidades, isto é, a chance e a possibilidade de um tratamento funcionar para um paciente, baseado no que funcionou para outros pacientes com mesmo diagnóstico, sexo, idade, etnia, condições sócio-econômicas ,etc.
2-Nem todos os tratamentos tem o mesmo nível de comprovação científica. Atualmente, de forma bem simplificada, podemos dizer que existem 4 grandes grupos de recomendação de tratamentos baseados em níveis de evidência científica: Graus de recomendação A, B, C e D.
3-O grau de recomendação A é o melhor de todos, é o que podemos pensar como mais próximo da verdade científica, ou como gostamos de dizer, de “estado da arte”. Quando um médico escolhe um tratamento que está nesse grupo, ele está muito respaldado pelo conhecimento científico.
4-Nesse primeiro grau de recomendação, temos agrupados 3 níveis de evidência: o 1A, o 1B e o 1C. Quando um tratamento foi incluído nesse grupo, podemos ter certeza de que:
-Os pesquisadores revisaram todos os melhores estudos que existem. Esses estudos são chamados de ensaios clínicos controlado e randomizados.
-Existem pelo menos alguns estudos randomizados e controlados ( e às vezes duplo-cegos).
Ou seja, os pesquisadores fizeram estudos muito bem feitos. Os pacientes foram escolhidos da forma correta, para evitar "vícios" na escolha, e foram distribuídos aleatoriamente em 2 grupos: Um que tomou o remédio ou tratamento novo e outro que usou só placebo (uma pílula sem efeito).
Esse tipo de estudo é tão rigoroso, que nem os médicos nem os pacientes sabiam se o que os pacientes estavam tomando era o remédio testado ou era um placebo. Dessa forma, garante-se que o interesse , a fé e a expectativa não influenciem os resultados.
Deu pra perceber como dá trabalho fazer isso? Nem todos os tratamentos disponíveis hoje atendem esses critérios, porque é difícil e caro executar esses trabalhos.
Ufa, complicado né? Mas vamos lá, você chegou até aqui e ainda temos 3 grupos.
5-No grupo B, temos um grau de recomendação menor, mas ainda com uma certa validade. Nesse grau de recomendação, estão reunidos os níveis de evidência científica 2A, 2B, 2C, 3A e 3B. Vamos tentar resumir! Se um tratamento está nesse grupo, isso significa que:
Fizeram revisões sistemáticas de vários outros estudos, ou fizeram um ensaio clínico não tão rigoroso como os que a gente descreveu acima, fizeram estudos mais simples chamados de observação, ou estudo de caso-controle. A gente tem que lembrar que não é fácil fazer aquele estudo tão controlado)
6-Agora a gente chegou na razão de ser desse post: os grupos C e D de recomendação.
O grupo C envolve tudo isso que a gente vê hoje na tv e na internet: Relatos de caso.
Relato de caso é quando um médico ou profissional de saúde, às vezes muito renomado, descreve o que ele fez com seu paciente e o resultado que teve. Esse tipo de estudo tem um certo valor, o de levantar uma possibilidade, mostrar algo curioso e pouco comum, relatar uma situação particularmente difícil. Os relatos de caso são importantes. A partir deles podemos lançar novas hipóteses que poderão ser testadas depois em trabalhos mais elaborados.
Porém relato de caso não tem o peso e o nível evidência científica de tudo isso que a gente falou antes.
Sabe o que isso significa? Que se o prêmio Nobel de Medicina fizer um relato de caso, vale a pena ler o que ele escreveu, mas isso está muito longe de ser verdade ou ter peso científico.
Portanto se algum médico ou profissional de saúde lhe disser que usa um tratamento e que ele é muito bom simplesmente porque funcionou com vários pacientes dele, esse profissional está te oferecendo o que há de menos científico, menos comprovado, menos robusto.
A gente precisa lembrar que existe uma coisa chamada acaso, e que o acaso tem um poder imenso de confundir as pessoas. Se alguém te disser que se curou de uma doença porque usou babosa e um monte de gente usar babosa e depois melhorar, ainda assim não temos como afirmar se a pessoa melhorou por causa da babosa ou simplesmente seguiu-se a História Natural da Doença naquela pessoa, isto é, a doença seguiu um caminho natural que não dependeu daquele tratamento. (A propósito, o exemplo da babosa pertence ao grupo D de recomendação científica, rs)
A partir de agora, se você leu e entendeu um pouco mais sobre níveis de evidência científica, você pode ter uma visão mais crítica sobre o que os profissionais de saúde relatam e prometem.
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De repente, um médico muito renomado aparece contando que tratou seus pacientes com um remédio X e que foi muito bem sucedido. Algo parecido aconteceu há um tempo com um remédio chamado fosfoetanolamida, que seria a “pílula do câncer”.
Pra quem tiver interesse e um pouco de paciência, vou explicar pra vocês o que TODO profissional de saúde deveria saber, depois de ter tido aula na faculdade de uma disciplina chamada epidemiologia e como esse profissional deveria escolher os tratamentos que oferece.
Para isso, vamos por partes:
1- A medicina, na maioria das vezes, não trabalha com certezas, mas com probabilidades, isto é, a chance e a possibilidade de um tratamento funcionar para um paciente, baseado no que funcionou para outros pacientes com mesmo diagnóstico, sexo, idade, etnia, condições sócio-econômicas ,etc.
2-Nem todos os tratamentos tem o mesmo nível de comprovação científica. Atualmente, de forma bem simplificada, podemos dizer que existem 4 grandes grupos de recomendação de tratamentos baseados em níveis de evidência científica: Graus de recomendação A, B, C e D.
3-O grau de recomendação A é o melhor de todos, é o que podemos pensar como mais próximo da verdade científica, ou como gostamos de dizer, de “estado da arte”. Quando um médico escolhe um tratamento que está nesse grupo, ele está muito respaldado pelo conhecimento científico.
4-Nesse primeiro grau de recomendação, temos agrupados 3 níveis de evidência: o 1A, o 1B e o 1C. Quando um tratamento foi incluído nesse grupo, podemos ter certeza de que:
-Os pesquisadores revisaram todos os melhores estudos que existem. Esses estudos são chamados de ensaios clínicos controlado e randomizados.
-Existem pelo menos alguns estudos randomizados e controlados ( e às vezes duplo-cegos).
Ou seja, os pesquisadores fizeram estudos muito bem feitos. Os pacientes foram escolhidos da forma correta, para evitar "vícios" na escolha, e foram distribuídos aleatoriamente em 2 grupos: Um que tomou o remédio ou tratamento novo e outro que usou só placebo (uma pílula sem efeito).
Esse tipo de estudo é tão rigoroso, que nem os médicos nem os pacientes sabiam se o que os pacientes estavam tomando era o remédio testado ou era um placebo. Dessa forma, garante-se que o interesse , a fé e a expectativa não influenciem os resultados.
Deu pra perceber como dá trabalho fazer isso? Nem todos os tratamentos disponíveis hoje atendem esses critérios, porque é difícil e caro executar esses trabalhos.
Ufa, complicado né? Mas vamos lá, você chegou até aqui e ainda temos 3 grupos.
5-No grupo B, temos um grau de recomendação menor, mas ainda com uma certa validade. Nesse grau de recomendação, estão reunidos os níveis de evidência científica 2A, 2B, 2C, 3A e 3B. Vamos tentar resumir! Se um tratamento está nesse grupo, isso significa que:
Fizeram revisões sistemáticas de vários outros estudos, ou fizeram um ensaio clínico não tão rigoroso como os que a gente descreveu acima, fizeram estudos mais simples chamados de observação, ou estudo de caso-controle. A gente tem que lembrar que não é fácil fazer aquele estudo tão controlado)
6-Agora a gente chegou na razão de ser desse post: os grupos C e D de recomendação.
O grupo C envolve tudo isso que a gente vê hoje na tv e na internet: Relatos de caso.
Relato de caso é quando um médico ou profissional de saúde, às vezes muito renomado, descreve o que ele fez com seu paciente e o resultado que teve. Esse tipo de estudo tem um certo valor, o de levantar uma possibilidade, mostrar algo curioso e pouco comum, relatar uma situação particularmente difícil. Os relatos de caso são importantes. A partir deles podemos lançar novas hipóteses que poderão ser testadas depois em trabalhos mais elaborados.
Porém relato de caso não tem o peso e o nível evidência científica de tudo isso que a gente falou antes.
Sabe o que isso significa? Que se o prêmio Nobel de Medicina fizer um relato de caso, vale a pena ler o que ele escreveu, mas isso está muito longe de ser verdade ou ter peso científico.
Portanto se algum médico ou profissional de saúde lhe disser que usa um tratamento e que ele é muito bom simplesmente porque funcionou com vários pacientes dele, esse profissional está te oferecendo o que há de menos científico, menos comprovado, menos robusto.
A gente precisa lembrar que existe uma coisa chamada acaso, e que o acaso tem um poder imenso de confundir as pessoas. Se alguém te disser que se curou de uma doença porque usou babosa e um monte de gente usar babosa e depois melhorar, ainda assim não temos como afirmar se a pessoa melhorou por causa da babosa ou simplesmente seguiu-se a História Natural da Doença naquela pessoa, isto é, a doença seguiu um caminho natural que não dependeu daquele tratamento. (A propósito, o exemplo da babosa pertence ao grupo D de recomendação científica, rs)
A partir de agora, se você leu e entendeu um pouco mais sobre níveis de evidência científica, você pode ter uma visão mais crítica sobre o que os profissionais de saúde relatam e prometem.
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